Semanalmente caminhava ladeira abaixo e virava a esquina. Alguns passos e à direita lá estava a entrada. Tijolos a vista ao longo de um corredor curto a céu aberto e imediatamente via-se a moldura de madeira contornando o portão de ferro. Agora, além da paisagem usual, havia tapumes. O madeirite roseo desbotado tentava esconder o óbvio: a arquitetura dando lugar à ruína.
Do lado de dentro também havia diferença entre o presente e o passado. Se é que míseros seis meses podem ser chamados de passado. Chacoalhando freneticamente os copos de coquetel, as mãos que davam o colorido das bebidas já não eram as mesmas. Também já não eram os mesmos olhos esperando ansiosamente por atender às mediadoras dos desejos em cima das mesas. Embaixo da bandeja, o sorriso dava lugar ao silêncio. As boas-vindas eram agora argumentos práticos sobre mesas e cadeiras. Até mesmo as bandejas viam-se solitárias. Onde havia três, quatro dançando pelo salão, agora contentavam-se duas, uma com a companhia cúmplice da outra. Nos bastidores, aos poucos as velhas farpas da convivência diária perdiam-se na indignação mútua; o sabor da noite transformado pela injustiça amargava a boca daqueles que desejam.
Noite quente. A brisa suave do planalto refrescava os últimos resquícios do sol escaldante. A madrugada preparava-se para entrar em cena e o próprio cenário via-se vazio. O primeiro casal entrou tímido. O segundo grupo de amigos sorrateiro. E quando dava por si, as bandejas já não suportavam mais o peso de tantas exigências. Copos. Garfos. Julgamentos. Pratos. Críticas. Frangos. Rúculas. Tomates. Queijos. Ordens. Molhos. Injustiças. Exploração. Falta de respeito.
As vozes dos desejos misturavam-se aos gritos mudos atrás do caixa misturavam-se aos sons do palco misturavam-se aos pensamentos debaixo da bandeja. E o peso aumentando.
Quando o biceps falhou e os metacarpos separaram-se, a glote abriu-se imensa e uma lufada abrupata de ar transpassou os limites de qualquer tolerância aceitável. O metal redondo já bastante riscado pelo abuso do uso ressoôu estrondosamente no chão. A música parou. As palavras pararam. Os copos no ar sustentados, imóveis. Os garfos, os pratos, o repouso absoluto.
Lentamente, despiu-se em público daquilo que carregara há meses, há tempos no mesmo lugar. Viu a porta de entrada sob um ângulo habitualmente solitário - e não menos solitário que então. O verso da entrada era comumente a saída. O portão de ferro emoldurado pelas faixas de madeira. Os tijolos à vista. Tapumes. Alguns passos à esquerda e virava ladeira acima, subindo eternamente.
sábado, 6 de dezembro de 2008
domingo, 9 de novembro de 2008
Colateral
A moldura da porta de entrada era outra, mas a mesma. As pessoas sentadas despreoupadas eram as mesmas, mas outras. Sobre a mesa copos, pratos, cotovelos e preocupações despreocupadas, os mesmos de acolá, mas outros. Embaixo das bandejas, pernas loucas trabalhavam tanto quanto. Sentados na borda da mesa, uns olhos pareciam deslocados; um ponto de vista outro de olhos normalmente debaixo das bandejas. Cada detalhe dimensional posicionado lado a lado. Uma realidade cubista.
Pensava se a estranheza da posição incomum, fora do cotidiano semanal, seria permanente. Pensava que há tempos aqueles não eram seus olhos; pensava na ausência da bandeja e de todas as consequências que aquilo trazia. Pensava nas contas. Pensava nos planos. Nos planos tornando-se mais complicados por contas de uma ausência mínima. Nas intermináveis horas embaixo da bandeja, que não seriam suas aquela noite. Na nulidade do reconhecimento moral, financeiro, humano; nas noites anteriores. Pensava nos arrogantes verbos impertaivos em cima das mesas, na chibata dispfarçada de liberdade empregatícia, no não seguimento da lei, nas artimanhas de um discurso frio e bem proferido. Pensava mas não falava. Quem entenderia? Pensava mas falava. Falava sobre fumaça e cultura. Sobre o último Woody Allen. Sobre como seriam as crianças em Berlim hoje. O quanto o verão parecia permanente, mesmo no mês de julho.
Pensava ser a única.
Ergueu o braço solicitanto a presença dos seus, as pernas embaixo da bandeja. Lentamente um rosto de espelho aproximou-se pela retaguarda, como se sua presença fosse óbvia, necessária, mas não seus olhos. Um rosto de espelho, com voz metálica, como poderiam ser todas as vozes debaixo das bandejas, tambem metalicas, iguais; um rosto prateado, espelhado mas com olhos muito castanhos. Quando os viu, se viu; que seus olhos castanhos eram tambem um espelho.
Apoiando o bloco de pedidos na bandeja, um lado anotava, o outro falava, e eram o mesmo lado. Duas porções de insatisfação ao molho. Duas de remuneração do tipo ridícula, sem benefícios e sem registros oficiais. Uma dose de excesso de carga horária. Uma garrafa de paciência extra. Descrédito na taça grande e humilhação por parte do cliente num copo alto, com muito gelo e sem açúcar.
Em pouco tempo seus próprios olhos castanhos de espelho voltaram com aquilo que havia sido solicitado. Os produtos tomavam toda a extensão da bandeja, até o limite do desequilibrio. Da insanidade.
Atônita, mirava o tampo da mesa. Mastigava cada porção de cumplicidade que havia sido servida gratuitamente pelos seus próprios olhos de espelho.
Em cada olhar ali, em cada par de pernas debaixo da bandeja correndo à sua volta ela viu a moldura da sua própria porta de entrada.
Outra, porém mais do que nunca, a mesma.
Pensava se a estranheza da posição incomum, fora do cotidiano semanal, seria permanente. Pensava que há tempos aqueles não eram seus olhos; pensava na ausência da bandeja e de todas as consequências que aquilo trazia. Pensava nas contas. Pensava nos planos. Nos planos tornando-se mais complicados por contas de uma ausência mínima. Nas intermináveis horas embaixo da bandeja, que não seriam suas aquela noite. Na nulidade do reconhecimento moral, financeiro, humano; nas noites anteriores. Pensava nos arrogantes verbos impertaivos em cima das mesas, na chibata dispfarçada de liberdade empregatícia, no não seguimento da lei, nas artimanhas de um discurso frio e bem proferido. Pensava mas não falava. Quem entenderia? Pensava mas falava. Falava sobre fumaça e cultura. Sobre o último Woody Allen. Sobre como seriam as crianças em Berlim hoje. O quanto o verão parecia permanente, mesmo no mês de julho.
Pensava ser a única.
Ergueu o braço solicitanto a presença dos seus, as pernas embaixo da bandeja. Lentamente um rosto de espelho aproximou-se pela retaguarda, como se sua presença fosse óbvia, necessária, mas não seus olhos. Um rosto de espelho, com voz metálica, como poderiam ser todas as vozes debaixo das bandejas, tambem metalicas, iguais; um rosto prateado, espelhado mas com olhos muito castanhos. Quando os viu, se viu; que seus olhos castanhos eram tambem um espelho.
Apoiando o bloco de pedidos na bandeja, um lado anotava, o outro falava, e eram o mesmo lado. Duas porções de insatisfação ao molho. Duas de remuneração do tipo ridícula, sem benefícios e sem registros oficiais. Uma dose de excesso de carga horária. Uma garrafa de paciência extra. Descrédito na taça grande e humilhação por parte do cliente num copo alto, com muito gelo e sem açúcar.
Em pouco tempo seus próprios olhos castanhos de espelho voltaram com aquilo que havia sido solicitado. Os produtos tomavam toda a extensão da bandeja, até o limite do desequilibrio. Da insanidade.
Atônita, mirava o tampo da mesa. Mastigava cada porção de cumplicidade que havia sido servida gratuitamente pelos seus próprios olhos de espelho.
Em cada olhar ali, em cada par de pernas debaixo da bandeja correndo à sua volta ela viu a moldura da sua própria porta de entrada.
Outra, porém mais do que nunca, a mesma.
domingo, 19 de outubro de 2008
Sobre o dia de ontem
O céu estremecia, passos largos na calçada. Havia atraso, mas os motivos eram plausíveis. Telefonemas propositalmente não atendidos, afinal já estava a caminho.
Portas abertas, mesas apostos. A noite começava sem prometer sucesso.
Ventava. O bar profundamente alongado e estreito, encanava o vento porta a dentro. A chuva era eminente e sabe-se ha tempos da existência de fendas no teto. Quando dos temporais, pode-se presenciar a bucólica cena de uma cachoeira particular, bem no meio do bar, amparada inutilmente por baldes e panos de chão.
Foi então que, fora o prognóstico metereológico, entra porta a dentro o músico daquela noite. Contratado pra preencher o ambiente por toda a extensão da madrugada, animar aqueles que saem de casa afim de jantar fora em busca de um programinha relaxante, este homem poderia ser, sozinho, o responsável pelo fracasso de toda uma noite. Mais, de uma semana de noites.
Vamos ao que viemos. Alto, beirando 1,80m, se minha baixíssima estatura não estiver a me atrapalhar o julgamento. Uma assustadora proeminência abdominal, conhecida de alguns simplesmente por "pança", onde astutamente apoia-se o único instrumento musical que lhe acompanha a voz, um violãozinho maroto. Nas pernas, calças jeans. Nos pés, um par de sandálias de couro que resumiam-se à sola e uma tirinha envolvendo o dedão. Dedão este, há que se ressaltar, numa condição asquerosa de habitat de fungos dérmicos e outras afecções cutâneas indesejaveis. Uma camisa colorida, cabelo farto e composto por pequenos cachos emoldurando um rosto redondo e guarnecido por uma papada recoberta de barba mal feita.
Locomovia-se numa postura mamolenga, rebolando as sobras laterais e com os pés, no linguajar popular, a marcar que faltava sempre 10 minutos pras 2 horas. Como se não bastasse, de uma lado a outro carregava um cartaz onde via-se estampada sua própria face e gasto estava, com marcas de uma manipulação exaustiva. Passava ainda, quando não com o dito poster em mãos, acenando a toda e qualquer pessoa que estivesse na reta de seu caminho. Tanto as que conhecia quando aquelas nunca antes vistas por ele. Uns lhe respondiam o efusivo movimento de mãos com um discreto aceno de cabeça. Os outros que nunca lhe haviam visto a cara, entreolhavam-se a questionar em silêncio a que se prestava aquilo. A nós, uniformizadas, limitava-se a pedir. Não, a mandar. Mandar buscar-lhe uma cerveja, mandar que lhe ligasse o ventilador que servia ao palco; mandar que lhe trocassem o copo, "é um absurdo servirem em copos tão pequenos".
Enfim, quando já desta extensa descrição e exaustiva, compreendo, mas não menos importante, a noite começou.
Principiando de duas ou três mesas, em pouco tempo, apesar do clima inospitamente frio e úmido, cadeiras foram sentadas, lugares rearranjados a contemplar números variados de acompanhantes, pratos servidos e copos a obedecer o rotineiro movimento de enxer-se esvaziar-se, repetidamente. E a música. Ou simplesmente o som, neste caso hereticamente chamaod de música.
A voz foi tão rasgada na primeira música quanto na última, acompanhada de uma balançar de cabeça que parecia simplesmente concordar todo o tempo com aquilo que se estava a cantar. Havia apenas um violãozinho, mas era como se fosse uma orquestra. Penso que ele usava a boca pra produzir magicamente dezenas de outros instrumentos; ele fazia sons inacreditáveis e por vezes impossíveis de identificar. Entre grunhidos, gemidos, cuspidinhas no diâmetro do microfone, alongamentos de "esses" e "eles" nos finais das palavras e uns "uôws" absolutamente fora de contexto, uma tampa de garrafa PET fazia as vezes da cornetinha safada.
Este era o único do ramo que não recusava pedidos do público: se ele não sabia a melodia e sabia a letra, cantava à capela. Se sabia a melodia, porém desconhecia a letra, pedia um auxílio, poucas vezes atendido, do público. E se ignorava qualquer das partes que compunham a música, inventava-as. Não havia tempo ruim, mesmo com os ventos a prenunciar a tempestade fora do bar.
Algum aplauso apareceu depois de certo tempo de consumo. Ignorando o estado etílico dos então apreciadores da apresentação, o Dito Cujo musicava daca vez mais. Em três horas de show a excitação do patamar elevado um nível a cima de qualquer outro fazia-o cantar cada vez mais alto e ininteligivelmente. Assim que a parábola de auto-admiração atingiu seu ápice, iniciou-se o declínio.
Agora o líquido permanecia muito mais tempo nos copos, com os bebedores ampapuçados do gás alí contido; ou simplesmente porque sua própria parábola já também estava em declínio. Agora via-se o cansaço nos olhos uniformizados de quem carregava pra lá e para cá os resquícios da noite, gradualmente alocada no tempo-espaço do passado. Também nos bastidores gastronômicos, imperava o ritual de organização e despedida. Os pagamentos apressavam-se em cumprir sua função de compensar o consumado e uma a uma, cada cadeira foi desocupada e rearranjadas as mesas em seus lugares de origem.
E o som continuou, inacreditavelmente, por momentos que poucas vezes pareceram tão longos, pra finalmente atingir o que parecia ser o fim. Quando ao fim da última música, tão rasgada como as primeiras, como se já havia comentado, dando a impressão de se tê-las ouvido durante todo o tempo as mesmas, adentrou o recinto um sujeitinho cambaleante acompanhado de mais uma figura quase igualmente cambaleante. Alcansaram a última mesa, contando-se da porta ao fundo, bastante próximos ao cantor e, com aparente entusiasmo, comprimentaram-no. "Viemos aqui com o único e exclusivo intuito de ouvir sua música! Toque mais!" dizia um dos componentes do ébrio casal. Antes de retirar-se completamente do palco, ao efusivo comprimento, o músico respondeu com um discreto aceno de cabeça.
A noite foi um sucesso.
Portas abertas, mesas apostos. A noite começava sem prometer sucesso.
Ventava. O bar profundamente alongado e estreito, encanava o vento porta a dentro. A chuva era eminente e sabe-se ha tempos da existência de fendas no teto. Quando dos temporais, pode-se presenciar a bucólica cena de uma cachoeira particular, bem no meio do bar, amparada inutilmente por baldes e panos de chão.
Foi então que, fora o prognóstico metereológico, entra porta a dentro o músico daquela noite. Contratado pra preencher o ambiente por toda a extensão da madrugada, animar aqueles que saem de casa afim de jantar fora em busca de um programinha relaxante, este homem poderia ser, sozinho, o responsável pelo fracasso de toda uma noite. Mais, de uma semana de noites.
Vamos ao que viemos. Alto, beirando 1,80m, se minha baixíssima estatura não estiver a me atrapalhar o julgamento. Uma assustadora proeminência abdominal, conhecida de alguns simplesmente por "pança", onde astutamente apoia-se o único instrumento musical que lhe acompanha a voz, um violãozinho maroto. Nas pernas, calças jeans. Nos pés, um par de sandálias de couro que resumiam-se à sola e uma tirinha envolvendo o dedão. Dedão este, há que se ressaltar, numa condição asquerosa de habitat de fungos dérmicos e outras afecções cutâneas indesejaveis. Uma camisa colorida, cabelo farto e composto por pequenos cachos emoldurando um rosto redondo e guarnecido por uma papada recoberta de barba mal feita.
Locomovia-se numa postura mamolenga, rebolando as sobras laterais e com os pés, no linguajar popular, a marcar que faltava sempre 10 minutos pras 2 horas. Como se não bastasse, de uma lado a outro carregava um cartaz onde via-se estampada sua própria face e gasto estava, com marcas de uma manipulação exaustiva. Passava ainda, quando não com o dito poster em mãos, acenando a toda e qualquer pessoa que estivesse na reta de seu caminho. Tanto as que conhecia quando aquelas nunca antes vistas por ele. Uns lhe respondiam o efusivo movimento de mãos com um discreto aceno de cabeça. Os outros que nunca lhe haviam visto a cara, entreolhavam-se a questionar em silêncio a que se prestava aquilo. A nós, uniformizadas, limitava-se a pedir. Não, a mandar. Mandar buscar-lhe uma cerveja, mandar que lhe ligasse o ventilador que servia ao palco; mandar que lhe trocassem o copo, "é um absurdo servirem em copos tão pequenos".
Enfim, quando já desta extensa descrição e exaustiva, compreendo, mas não menos importante, a noite começou.
Principiando de duas ou três mesas, em pouco tempo, apesar do clima inospitamente frio e úmido, cadeiras foram sentadas, lugares rearranjados a contemplar números variados de acompanhantes, pratos servidos e copos a obedecer o rotineiro movimento de enxer-se esvaziar-se, repetidamente. E a música. Ou simplesmente o som, neste caso hereticamente chamaod de música.
A voz foi tão rasgada na primeira música quanto na última, acompanhada de uma balançar de cabeça que parecia simplesmente concordar todo o tempo com aquilo que se estava a cantar. Havia apenas um violãozinho, mas era como se fosse uma orquestra. Penso que ele usava a boca pra produzir magicamente dezenas de outros instrumentos; ele fazia sons inacreditáveis e por vezes impossíveis de identificar. Entre grunhidos, gemidos, cuspidinhas no diâmetro do microfone, alongamentos de "esses" e "eles" nos finais das palavras e uns "uôws" absolutamente fora de contexto, uma tampa de garrafa PET fazia as vezes da cornetinha safada.
Este era o único do ramo que não recusava pedidos do público: se ele não sabia a melodia e sabia a letra, cantava à capela. Se sabia a melodia, porém desconhecia a letra, pedia um auxílio, poucas vezes atendido, do público. E se ignorava qualquer das partes que compunham a música, inventava-as. Não havia tempo ruim, mesmo com os ventos a prenunciar a tempestade fora do bar.
Algum aplauso apareceu depois de certo tempo de consumo. Ignorando o estado etílico dos então apreciadores da apresentação, o Dito Cujo musicava daca vez mais. Em três horas de show a excitação do patamar elevado um nível a cima de qualquer outro fazia-o cantar cada vez mais alto e ininteligivelmente. Assim que a parábola de auto-admiração atingiu seu ápice, iniciou-se o declínio.
Agora o líquido permanecia muito mais tempo nos copos, com os bebedores ampapuçados do gás alí contido; ou simplesmente porque sua própria parábola já também estava em declínio. Agora via-se o cansaço nos olhos uniformizados de quem carregava pra lá e para cá os resquícios da noite, gradualmente alocada no tempo-espaço do passado. Também nos bastidores gastronômicos, imperava o ritual de organização e despedida. Os pagamentos apressavam-se em cumprir sua função de compensar o consumado e uma a uma, cada cadeira foi desocupada e rearranjadas as mesas em seus lugares de origem.
E o som continuou, inacreditavelmente, por momentos que poucas vezes pareceram tão longos, pra finalmente atingir o que parecia ser o fim. Quando ao fim da última música, tão rasgada como as primeiras, como se já havia comentado, dando a impressão de se tê-las ouvido durante todo o tempo as mesmas, adentrou o recinto um sujeitinho cambaleante acompanhado de mais uma figura quase igualmente cambaleante. Alcansaram a última mesa, contando-se da porta ao fundo, bastante próximos ao cantor e, com aparente entusiasmo, comprimentaram-no. "Viemos aqui com o único e exclusivo intuito de ouvir sua música! Toque mais!" dizia um dos componentes do ébrio casal. Antes de retirar-se completamente do palco, ao efusivo comprimento, o músico respondeu com um discreto aceno de cabeça.
A noite foi um sucesso.
domingo, 12 de outubro de 2008
Carta a distantes contando uma notícia de trabalho.
Algumas memórias merecem a primeira pessoa. Algumas coisas, penso eu, são para poucos. Por isso a regalia pronominal já mencionada.
Vamos começar tudo, afinal é o melhor ponto a se principiar uma história. Sim, um novo emprego. Não tão novo, posto que nem a ação nem a personagem mudam desde há 4 anos (sim eu estive contando), mas o lugar e o horário inéditos. É um restaurante e pesque-pague, durante o dia (das 9h da manhã às 7h da noite), eu mesma de sempre e como garçonete. Além da diferença espaço temporal existe agora uma coisa tão inédita quanto incômoda (e isso foi altamente eufemístico): uma daquelas tocas de redinha que se usa pra que os cabelos não deitem na comida alheia.
Outra coisa que não mudou foi o estereótipo do dono do estabelecimento. Arquétipo este que aos poucos deixa o mito de ser um estereótipo para a mais pura realidade, constatada. Quase um idoso, dado os cabelos brancos, o bigode já grisalho e a pança enorme. Olhos pequenos, com bolsas a circulá-los, cílios quase nenhum, sobrancelha a sobrar-lhe, como já demonstra a própria palavra, uma boca pequena quase inexistente, bochechas a pender-lhe pelas laterais e um humor que simplesmente não há. Ou, se há, é tão peculiar que apenas percebido por ele próprio. Isso pra ser bondosa e sem citar a exploração proposital e cega do alheio, quem quer que seja este: clientes ou funcionários. Se ambos ao mesmo tempo, então, melhor ainda. Economiza-lhe o tempo.
Havia ainda naqueles olhos quase impossíveis de se achar em meio a tanta pelanca facial (ah sim, a idade...), uma prazer inominável em observar o ridículo gratuito. O ridículo gratuito que aquela redinha simbolizava. Acerca desta (a redinha) venho a chamar um momento de reflexão. Qual seria a sua utilidade num ambiente de terra e grama onde se presencia um vendaval invejável a qualquer brisa que se preze? Tendo os cabelos severamente presos à cabeça e a terra a voar por sobre os pratos livremente, qual o real papel da famigerada "redinha"? Sim, o ridículo. O que seria da tarde infindável de um senhor idoso, solitário, descasado, dono de um pesque-pague no meio do nada, senão rir-se de algumas miseráveis com a cabeça enredada a coçarem-se pelo diâmetro completo da cabeça de pouco em pouco?
Afora isso, deve ter ficado claro o quanto fui chateada por esse ínfimo detalhe, houveram horas, quatro precisamente, duas antes do serviço e duas depois, de completa inutilidade. "Não leia seu livro porque se o Patrão (isso por sí um termo bastante explicito da opressão) vê você à toa vai gritar com você. Sim, eu sei, estamos vazios e o trabalho não há, mas vamos ande um pouco, finja que faz algo de útil.".
De qualquer forma, eram 7h20 e eu estava em casa. Horário em que, em outros dias estaria a sair para o serviço atrasada, diga-se de passagem. Vantagem única. Mas de um peso grande.
A realidade é que tenho alguns dias (dois, pra ser exata) pra decidir o que fazer dos meus infinitos empregos. Agarra-los todos, à alguns ou à nenhum e lutar pela busca de um outro ainda.
Estejam a rezar por mim, se puderem e sobrar-lhes um tempinho. A rezar pelo desfecho mais acertado.
E obrigada de qualquer forma pela paciencia a ler-me, agora.
E perdoem-me, ainda, o rebuscamento explícito do texto. Sendo as palavras uma forma de interpretação do espírito, esta complicação gramatical é a minha complicação prórpia. O meu "não saber o que fazer".
Amo-as, amigas minhas. A todas vocês.
Beijos e muitas saudades.
Vamos começar tudo, afinal é o melhor ponto a se principiar uma história. Sim, um novo emprego. Não tão novo, posto que nem a ação nem a personagem mudam desde há 4 anos (sim eu estive contando), mas o lugar e o horário inéditos. É um restaurante e pesque-pague, durante o dia (das 9h da manhã às 7h da noite), eu mesma de sempre e como garçonete. Além da diferença espaço temporal existe agora uma coisa tão inédita quanto incômoda (e isso foi altamente eufemístico): uma daquelas tocas de redinha que se usa pra que os cabelos não deitem na comida alheia.
Outra coisa que não mudou foi o estereótipo do dono do estabelecimento. Arquétipo este que aos poucos deixa o mito de ser um estereótipo para a mais pura realidade, constatada. Quase um idoso, dado os cabelos brancos, o bigode já grisalho e a pança enorme. Olhos pequenos, com bolsas a circulá-los, cílios quase nenhum, sobrancelha a sobrar-lhe, como já demonstra a própria palavra, uma boca pequena quase inexistente, bochechas a pender-lhe pelas laterais e um humor que simplesmente não há. Ou, se há, é tão peculiar que apenas percebido por ele próprio. Isso pra ser bondosa e sem citar a exploração proposital e cega do alheio, quem quer que seja este: clientes ou funcionários. Se ambos ao mesmo tempo, então, melhor ainda. Economiza-lhe o tempo.
Havia ainda naqueles olhos quase impossíveis de se achar em meio a tanta pelanca facial (ah sim, a idade...), uma prazer inominável em observar o ridículo gratuito. O ridículo gratuito que aquela redinha simbolizava. Acerca desta (a redinha) venho a chamar um momento de reflexão. Qual seria a sua utilidade num ambiente de terra e grama onde se presencia um vendaval invejável a qualquer brisa que se preze? Tendo os cabelos severamente presos à cabeça e a terra a voar por sobre os pratos livremente, qual o real papel da famigerada "redinha"? Sim, o ridículo. O que seria da tarde infindável de um senhor idoso, solitário, descasado, dono de um pesque-pague no meio do nada, senão rir-se de algumas miseráveis com a cabeça enredada a coçarem-se pelo diâmetro completo da cabeça de pouco em pouco?
Afora isso, deve ter ficado claro o quanto fui chateada por esse ínfimo detalhe, houveram horas, quatro precisamente, duas antes do serviço e duas depois, de completa inutilidade. "Não leia seu livro porque se o Patrão (isso por sí um termo bastante explicito da opressão) vê você à toa vai gritar com você. Sim, eu sei, estamos vazios e o trabalho não há, mas vamos ande um pouco, finja que faz algo de útil.".
De qualquer forma, eram 7h20 e eu estava em casa. Horário em que, em outros dias estaria a sair para o serviço atrasada, diga-se de passagem. Vantagem única. Mas de um peso grande.
A realidade é que tenho alguns dias (dois, pra ser exata) pra decidir o que fazer dos meus infinitos empregos. Agarra-los todos, à alguns ou à nenhum e lutar pela busca de um outro ainda.
Estejam a rezar por mim, se puderem e sobrar-lhes um tempinho. A rezar pelo desfecho mais acertado.
E obrigada de qualquer forma pela paciencia a ler-me, agora.
E perdoem-me, ainda, o rebuscamento explícito do texto. Sendo as palavras uma forma de interpretação do espírito, esta complicação gramatical é a minha complicação prórpia. O meu "não saber o que fazer".
Amo-as, amigas minhas. A todas vocês.
Beijos e muitas saudades.
domingo, 31 de agosto de 2008
Inculco.
As coisas prontas.
Mesas no centro, pouco à entrada pra não dizer que não havia ninguém; pouco ao fundo porque sempre hão de querer esconder-se.
Cadeiras aos pares, encaixadas próximas, porque a noite sugere não haver solidão.
Copos finos, prezando a suavidade no contato do líquido com a boca.
A janela pra refrescar.
A porta porque não é qualquer um que entra.
Luzes baixas, música.
Cada canto milimetricamente encantado.
Sorriso apostos.
- Por favor, eu apreciaria um Blood Mary, mas não o encontro no cadápio.
- Desculpe, mas não temos; os tomates andam caros e não há quem encontre o suco. Mas são tempos de morangos e o sakê os tem acompanhado bem...
- Só por conta dos tomates.
- Não temos também o Tabasco. Mas a carta de vinhos está completa...
- Um argentino?
- A especialidade são os portugueses. Há nesses vinhos o sabor da história..
- Eu gosto dos argentinos.
- Eu dizia que nossos portugueses são de uma safra especial...
- Não há comparação.
- Olhe, o tempo está frio e com o aconchego do ambiente, um champagne seria doce e delicado.
- Não me agradam as bebidas doces.
- Neste caso, Dry Martini traria certamente um toque de realismo ao contexo.
- Tradicional demais.
- Sim, uma bebida de sobriedade, apesar do paradoxo; remete à tempos...
- E as azeitonas não me caem bem.
- ... certamente.
- Não há qualquer possibilidade realmente do Blood Mary?
- É uma pena.
- Será que você teria a capacidade de sugerir algo semelhante, neste caso?
...
Desculpe, eu sou apenas a garçonete.
Mesas no centro, pouco à entrada pra não dizer que não havia ninguém; pouco ao fundo porque sempre hão de querer esconder-se.
Cadeiras aos pares, encaixadas próximas, porque a noite sugere não haver solidão.
Copos finos, prezando a suavidade no contato do líquido com a boca.
A janela pra refrescar.
A porta porque não é qualquer um que entra.
Luzes baixas, música.
Cada canto milimetricamente encantado.
Sorriso apostos.
- Por favor, eu apreciaria um Blood Mary, mas não o encontro no cadápio.
- Desculpe, mas não temos; os tomates andam caros e não há quem encontre o suco. Mas são tempos de morangos e o sakê os tem acompanhado bem...
- Só por conta dos tomates.
- Não temos também o Tabasco. Mas a carta de vinhos está completa...
- Um argentino?
- A especialidade são os portugueses. Há nesses vinhos o sabor da história..
- Eu gosto dos argentinos.
- Eu dizia que nossos portugueses são de uma safra especial...
- Não há comparação.
- Olhe, o tempo está frio e com o aconchego do ambiente, um champagne seria doce e delicado.
- Não me agradam as bebidas doces.
- Neste caso, Dry Martini traria certamente um toque de realismo ao contexo.
- Tradicional demais.
- Sim, uma bebida de sobriedade, apesar do paradoxo; remete à tempos...
- E as azeitonas não me caem bem.
- ... certamente.
- Não há qualquer possibilidade realmente do Blood Mary?
- É uma pena.
- Será que você teria a capacidade de sugerir algo semelhante, neste caso?
...
Desculpe, eu sou apenas a garçonete.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Boêmica
Estou farta da boemia comedida
Da boemia bem comportada
Desta boemia universitária fingida interiorana com copos de cuba falsa hi-fi nojento e cerveja vencida
Estou farta da boemia que pára e entorna mais um copo pura e simplesmente para se fazer esquecer e vomitar em seguida
Abaixo os vazios
Todas as enxaquecas, sobretudo as que já passaram
Todas as ideologias, sobretudo as da ultima moda
Todos os agitadores, sobretudo os alienados
Estou farta dessa porra de boemia atual
Promiscua
Oportunista
Ilusionista
De toda a boemia que inutiliza o que ainda há na capacidade humana
De resto não é boemia
Será fuga covarde ato puramente fisiológico se manter acordado afogado e sufocado em fármacos ilícitos, etc.
Quero antes a boemia dos visionários
A boemia dos abandonados
A boemia depressiva e solitária dos abandonados
A boemia do Patio do Colégio nos anos 2000
--- Não quero saber da boemia de pura depreciação.
Etílica Elite.
Noite longa. Finalmente de volta. Mais do que voltar pra casa, aquele era um retorno aos Campos Ilusórios do Passado.
As mesmas ruas, as mesmas casas. As mesmas pessoas, com as mesmas roupas e semelhantes objetivos: nenhum.
As mulheres passavam a noite a desfilar corpos mentirosos pelo salão enquanto os homens passavam seu tempo a admirar ilusoriamente aquele valor. Uma faina de curvas mal modeladas e olhares maliciosos de sosláio; de franjas e unhas; de mãos no bolso e nas garrafas. A música propagava-se pelo ar na voz de pessoas sem propósito. Usualmente não envolvidas com qualquer significado relevante; cantando estrageirismos em palavras erradas; desfiando sentimentos inexistentes e, por vezes, mentirosos.
Ela circulava incessantemente por entre aquela gente. Levando e trazendo. Servindo. A noite era sustentada pelo álcool, pelos copos e garrafas que ela manipulava. Ela, sem curvas modeladas, sem franjas ou olhares; simplesmente Ela. Personificada via de acesso pra a única coisa que valia a pena ali, a bebida.
Transitando, em meio às pessoas, ninguém era capaz de vê-la. E aquilo fascinava-a. Detentora da alma da festa e ignorada pelos olhos de todos. Olhos perdidos, depois de certa hora. Imponentemente instalados em rostos que figuravam prosperidade e sequer conseguiam ver a ilusão da sua postura. Fajutos olhos ocupando patamares sociais aparentemente importantes. Ali, em meio à futilidade asquerosa a que se prestavam, não havia qualquer patamar social que A superasse, porque era o álcool Dela o guindaste social daquela gente. Inflando egos, embelezando sorrisos desdentados, multiplicando notas nos bolsos vazios. Ali a vida era uma felicidade consumida aos goles.
Escondia-se no anonimato, observando o saldo final daquilo. A patética escória do comportamento descontrolado, empoleirado no ridículo do desequilibrio.
Uma fuga líquida de um excesso de realidade sólida.
Noite longa. Mais do que voltar pra casa, Ela já estava nos Campos Ilusórios do Passado.
[escrito em 11.02.08]
As mesmas ruas, as mesmas casas. As mesmas pessoas, com as mesmas roupas e semelhantes objetivos: nenhum.
As mulheres passavam a noite a desfilar corpos mentirosos pelo salão enquanto os homens passavam seu tempo a admirar ilusoriamente aquele valor. Uma faina de curvas mal modeladas e olhares maliciosos de sosláio; de franjas e unhas; de mãos no bolso e nas garrafas. A música propagava-se pelo ar na voz de pessoas sem propósito. Usualmente não envolvidas com qualquer significado relevante; cantando estrageirismos em palavras erradas; desfiando sentimentos inexistentes e, por vezes, mentirosos.
Ela circulava incessantemente por entre aquela gente. Levando e trazendo. Servindo. A noite era sustentada pelo álcool, pelos copos e garrafas que ela manipulava. Ela, sem curvas modeladas, sem franjas ou olhares; simplesmente Ela. Personificada via de acesso pra a única coisa que valia a pena ali, a bebida.
Transitando, em meio às pessoas, ninguém era capaz de vê-la. E aquilo fascinava-a. Detentora da alma da festa e ignorada pelos olhos de todos. Olhos perdidos, depois de certa hora. Imponentemente instalados em rostos que figuravam prosperidade e sequer conseguiam ver a ilusão da sua postura. Fajutos olhos ocupando patamares sociais aparentemente importantes. Ali, em meio à futilidade asquerosa a que se prestavam, não havia qualquer patamar social que A superasse, porque era o álcool Dela o guindaste social daquela gente. Inflando egos, embelezando sorrisos desdentados, multiplicando notas nos bolsos vazios. Ali a vida era uma felicidade consumida aos goles.
Escondia-se no anonimato, observando o saldo final daquilo. A patética escória do comportamento descontrolado, empoleirado no ridículo do desequilibrio.
Uma fuga líquida de um excesso de realidade sólida.
Noite longa. Mais do que voltar pra casa, Ela já estava nos Campos Ilusórios do Passado.
[escrito em 11.02.08]
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