sábado, 6 de dezembro de 2008

Salva plata.

Semanalmente caminhava ladeira abaixo e virava a esquina. Alguns passos e à direita lá estava a entrada. Tijolos a vista ao longo de um corredor curto a céu aberto e imediatamente via-se a moldura de madeira contornando o portão de ferro. Agora, além da paisagem usual, havia tapumes. O madeirite roseo desbotado tentava esconder o óbvio: a arquitetura dando lugar à ruína.
Do lado de dentro também havia diferença entre o presente e o passado. Se é que míseros seis meses podem ser chamados de passado. Chacoalhando freneticamente os copos de coquetel, as mãos que davam o colorido das bebidas já não eram as mesmas. Também já não eram os mesmos olhos esperando ansiosamente por atender às mediadoras dos desejos em cima das mesas. Embaixo da bandeja, o sorriso dava lugar ao silêncio. As boas-vindas eram agora argumentos práticos sobre mesas e cadeiras. Até mesmo as bandejas viam-se solitárias. Onde havia três, quatro dançando pelo salão, agora contentavam-se duas, uma com a companhia cúmplice da outra. Nos bastidores, aos poucos as velhas farpas da convivência diária perdiam-se na indignação mútua; o sabor da noite transformado pela injustiça amargava a boca daqueles que desejam.
Noite quente. A brisa suave do planalto refrescava os últimos resquícios do sol escaldante. A madrugada preparava-se para entrar em cena e o próprio cenário via-se vazio. O primeiro casal entrou tímido. O segundo grupo de amigos sorrateiro. E quando dava por si, as bandejas já não suportavam mais o peso de tantas exigências. Copos. Garfos. Julgamentos. Pratos. Críticas. Frangos. Rúculas. Tomates. Queijos. Ordens. Molhos. Injustiças. Exploração. Falta de respeito.
As vozes dos desejos misturavam-se aos gritos mudos atrás do caixa misturavam-se aos sons do palco misturavam-se aos pensamentos debaixo da bandeja. E o peso aumentando.
Quando o biceps falhou e os metacarpos separaram-se, a glote abriu-se imensa e uma lufada abrupata de ar transpassou os limites de qualquer tolerância aceitável. O metal redondo já bastante riscado pelo abuso do uso ressoôu estrondosamente no chão. A música parou. As palavras pararam. Os copos no ar sustentados, imóveis. Os garfos, os pratos, o repouso absoluto.
Lentamente, despiu-se em público daquilo que carregara há meses, há tempos no mesmo lugar. Viu a porta de entrada sob um ângulo habitualmente solitário - e não menos solitário que então. O verso da entrada era comumente a saída. O portão de ferro emoldurado pelas faixas de madeira. Os tijolos à vista. Tapumes. Alguns passos à esquerda e virava ladeira acima, subindo eternamente.