A moldura da porta de entrada era outra, mas a mesma. As pessoas sentadas despreoupadas eram as mesmas, mas outras. Sobre a mesa copos, pratos, cotovelos e preocupações despreocupadas, os mesmos de acolá, mas outros. Embaixo das bandejas, pernas loucas trabalhavam tanto quanto. Sentados na borda da mesa, uns olhos pareciam deslocados; um ponto de vista outro de olhos normalmente debaixo das bandejas. Cada detalhe dimensional posicionado lado a lado. Uma realidade cubista.
Pensava se a estranheza da posição incomum, fora do cotidiano semanal, seria permanente. Pensava que há tempos aqueles não eram seus olhos; pensava na ausência da bandeja e de todas as consequências que aquilo trazia. Pensava nas contas. Pensava nos planos. Nos planos tornando-se mais complicados por contas de uma ausência mínima. Nas intermináveis horas embaixo da bandeja, que não seriam suas aquela noite. Na nulidade do reconhecimento moral, financeiro, humano; nas noites anteriores. Pensava nos arrogantes verbos impertaivos em cima das mesas, na chibata dispfarçada de liberdade empregatícia, no não seguimento da lei, nas artimanhas de um discurso frio e bem proferido. Pensava mas não falava. Quem entenderia? Pensava mas falava. Falava sobre fumaça e cultura. Sobre o último Woody Allen. Sobre como seriam as crianças em Berlim hoje. O quanto o verão parecia permanente, mesmo no mês de julho.
Pensava ser a única.
Ergueu o braço solicitanto a presença dos seus, as pernas embaixo da bandeja. Lentamente um rosto de espelho aproximou-se pela retaguarda, como se sua presença fosse óbvia, necessária, mas não seus olhos. Um rosto de espelho, com voz metálica, como poderiam ser todas as vozes debaixo das bandejas, tambem metalicas, iguais; um rosto prateado, espelhado mas com olhos muito castanhos. Quando os viu, se viu; que seus olhos castanhos eram tambem um espelho.
Apoiando o bloco de pedidos na bandeja, um lado anotava, o outro falava, e eram o mesmo lado. Duas porções de insatisfação ao molho. Duas de remuneração do tipo ridícula, sem benefícios e sem registros oficiais. Uma dose de excesso de carga horária. Uma garrafa de paciência extra. Descrédito na taça grande e humilhação por parte do cliente num copo alto, com muito gelo e sem açúcar.
Em pouco tempo seus próprios olhos castanhos de espelho voltaram com aquilo que havia sido solicitado. Os produtos tomavam toda a extensão da bandeja, até o limite do desequilibrio. Da insanidade.
Atônita, mirava o tampo da mesa. Mastigava cada porção de cumplicidade que havia sido servida gratuitamente pelos seus próprios olhos de espelho.
Em cada olhar ali, em cada par de pernas debaixo da bandeja correndo à sua volta ela viu a moldura da sua própria porta de entrada.
Outra, porém mais do que nunca, a mesma.
domingo, 9 de novembro de 2008
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